terça-feira, 28 de abril de 2009

Cartas

A era digital veio para agilizar o nosso dia a dia. Tudo é feito online: transações, pagamentos, compras. Mais: mensagens pelo celular despencam aos montes, e-mails abarrotam nossas caixas de entrada. Tudo numa frieza mórbida, uma sequidão de expressões, uma nulidade de sentimentos e propósito.

O ato de escrever uma carta foi esquecido e hoje se reserva aos dito antiquados. Mas, se você, sensível leitor, já recebeu uma carta sabe a sensação que tentarei descrever. Ela denota um hiato no tempo, uma momento que alguém dedicou somente a você, momentaneamente ele se desdobrou encima de linhas para atingir o seu âmago, para lhe contar um fato, declarar-se, despedir-se, despiu-se. Por algum espaço de tempo a vida se encerrava naquele papel branco, reminiscências, lembranças, lapsos. É um processo, não como o dos e-mails, rápidos e eficientes, a carta não pretende ser rápida nem eficiente. A temporalidade da carta também é diferente. É um dado físico, material, quando necessário você recorre a ela. É uma certeza factual, está lá, escrito a punho, suor e, por que não, lágrimas.

Claramente uma necessidade humana, o reconhecimento que uma carta traz é infindavelmente maior do que qualquer invenção dos nossos tempos. Infelizmente quem tem se lembrado dessas vicissitudes é o banco. Sim, meu maior remetente, todo fim de mês ele está atento a mim.

Não hesite quando puder remeter uma carta. Histórias foram escritas por elas. Não deixe que definhe algo tão sublime. Presenteie com palavras belas, aconselhe, elogie... singelezas do cotidiano fazem toda a diferença.

5 comentários:

Victor disse...

Hum, legal, mas acho que aí tem uma super valorização da carta. Quando ainda não existiam os e-mails tenho certeza que o processo de uma carta era extremamente "rápido e eficiente". Já recebi e-mails dos quais eu tive certeza absoluta que a pessoa ficou debruçada por cima do teclado apenas para me escrever aquilo, sim, foi um tempo totalmente dedicado a mim.

Acho que e-mails são, sim, certezas factuais, sempre acreditei que o que ali está escrito foi por alguém escrito.

Mas concordo que a carta tem seu charme, seu ar de nostalgia, seu encanto.

Maria Joana disse...

"declarar-se, despedir-se, despiu-se"

Victor, acredito que alguns emails são sim debruçados, dedicados, apenas pra gente. Aliás, digo mais, acho que graças aos e-mails e outras quinquilharias eletrônicas (orkut, msn, etcs) passamos a comunicarmo-nos mais e mais profundamente com mais pessoas (o típico passei uma noite no msn e tive uma conversa incrível com aquela pessoa não tão próxima assim, que por isso passa a ser próxima e etc). Minha chefe tava comentando ontem que o tamanho dos emails cresceram, porque hoje a gente usa ele mais do que só para passar recados rápidos e técnicos e profissionais, como era mais comum no começo.

Mas mesmo assim a carta deixa uma lacuna. Não é só pelo charme, ou encanto ou nostalgia. A carta ainda é mais pessoal que o mais pessoal dos emails. A carta passou pelas mãos da outra pessoa, a carta envolve um trabalho e tempo dispendido, e, não se esqueças que uma flor se torna importante pelo tempo que gastamos com ela. A carta é também um documento para a posteridade, não é a mesma coisa com um email. Um email pode ser uma enorme confissão, pode ser mega-pessoal, etc... mas nesse caso, acho que o suporte da mensagem faz sim toda a diferença... se aquela mesma mensagem estiver escrita e envelopada.... ahhh, é uma outra história!

Uma das mais sólidas amizades minhas foi selada graças às cartas. Corresponder-se com alguém tem um sabor extraordinário.

Ok,ok, pode me chamar de nostálgica... ou analógica.

Maria Joana disse...

correção necessária: "não te esqueças"

Alice Agnelli disse...

dadas as circunstâncias, este comentário será feito por carta.

Unknown disse...

Caríssimo,
Apenas um comentário. Também adorava escrever e receber cartas quando era mais jovem (a long time ago). Não havia internet: então, o único eixo de contacto com amigos distantes que eu tinha em Minas, no Rio, no Espírito Santo, eram as longas, as imensas cartas. Havia vezes em que os envelopes traziam bônus inesperados: um desenho, uma correntinha, qualquer lembrança. Há alguns anos, antes de entrar na faculdade, reli todas essas cartas, recordei-me daquelas pessoas que desapareceram no passado. Depois juntei tudo e joguei todas as cartas no lixo (não adianta vivermos do passado: isso é algo que não me canso de repetir para, quem sabe, tentar me convencer de vez que o que passou, passou). Mas, lendo seu belíssimo, seu tocante post, essas velhas cartas voltaram à minha memória. Bem, é isso: o passado sempre nos acompanha, queiramos ou não.
Du, há momentos em que você se aproxima quase (quase, quase, quase) da máxima abstração literária. Acho isso algo intelectualmente estimulante.