Fazia algum tempo que ele
não a via. Ela, porém, encontrava-se no mesmo lugar de sempre: apartamento 61 do edifício Bela Vista. Aliás, ele não tinha esse nome por um acaso, a paisagem que se esmerava daquela sacada era magnífica; montanhas, pôr do sol e muitas
casinhas modestas. Entrou sorrateiro, como sempre fez. Ela
resava, para variar. Sussurrava algumas palavras que por hora se perderam com aquele
reencontro. Ele pediu a
bênção. Ela fixou os olhos nele e disse: você está tão bonito! Agradeceu de bom grado e foram para a sacada. Lá, naquele vaidoso mirante é que se deu o lapso. Ela não reconheceu nele a pessoa que ele dizia ser. Confundiu os netos. Sim, eles eram parecidos, mas não tão iguais a ponto dos olhos de uma avó não os distinguir.
Foi triste.
O tempo é implacável e como dizia Gregório de Matos: "...trota a toda
lijeiresa e imprime a todos sua pisada..."
Todos nós sofreremos desse tormento. O tempo é o maior paradoxo tangível. Com o mesmo fervor que ele cura a dor incurável ele
implaca a dor que não passa. É relativo, fugidio, vago, imenso, pequeno, vil, doce ...
Não fora a primeira das confusões. A lucidez já não é a mesma e se apresenta como um retrato deturpado das vicissitudes
cotidianas. Porém, caro leitor, se você, agora, lembrar-se de alguém em situação parecida, se se identificou com tal relato, não sinta pena.
Da mesma maneira que o neto soube interpretar o equívoco naquele olhar denso, ele soube identificar um amor que palpitava pelos olhos de sua avó, piscinas que saltavam à face dela. Este, o amor, sempre será o mesmo; inesquecível, intransferível e que ficará guardado no maior encanto de quem conhece a bela jornada já traçada e que reconhece naquele ser humano "estranho" toda a sua beleza.